sexta-feira, 8 de abril de 2016

Nós os dois...






Ao fim de algum tempo, já nem precisávamos dizer nada, bastava aquela troca de olhares. Muitas vezes condenatórios, quando a tua alma irrequieta falava mais alto, muitas vezes cúmplices, quando queríamos rir e gozar e o momento não se adequava. Quando nos encontrávamos e queríamos gozar e sabíamos que não devíamos, mas tu não aguentavas. Foi tão bom trabalhar contigo Pai, tivemos muitas zangas, muitas discussões feias, mas agora, este bocadinho de paz no meu peito, diz-me que o mau foi tão pequenino quando comparado com tudo o resto. As saudades ainda magoam muito, sei que um dia me vão fazer sorrir. Nesse dia vou brindar a ti e a mim e à nossa história de Pai e Filha e de amigos cúmplices. Foi tudo tão bom, foi e é, porque continuo a trabalhar contigo.
A mana... muitas vezes divergimos acerca dela, mas por fim já concordávamos, eu como irmã e tu como Pai, tu sabes a que me refiro. Somos bons, temos um fundo bom, acreditamos no que nos dizem, temos que ver para deixar de acreditar...
Posso desabafar? Mais uma vez a mana é o centro das atenções, não são atenções, é dor, uma dor imensa. Um dia de manhã, chegaste ao pé de mim e com as lágrimas nos olhos contaste-me à tua maneira a visita que fizeras à mana. Passaste por lá, como gostavas de fazer, sempre sem avisar, e discutiram e não entraste... e quando me contavas tudo isto, à tua maneira, a maneira que fez com que não aguentasses, acredito eu, a tua voz estremecia e quase choraste. A mana é o teu orgulho... sim eu sei o que é um primeiro filho e sei as diferenças para o segundo. Hoje queria-te aqui, só nos os dois, porque tenho ido buscar forças à tua memória e não sei mais aonde, mas hoje queria tanto ouvir a tua voz e aquela frase que tantas vezes me irritou: - "Vai correr tudo bem!"
Serei má, serei desumana, sou apenas ignorante mas receosa do que diz respeito à nossa mente.Ninguém diz nada à mana, como nunca ninguém o fez. todos sabem, todos vêem mas ninguém fala, como há anos atrás eu peguntava à avó, mas porque é que tenho que ser eu a limpar o pó sempre? e a mais honesta das respostas... porque a tua irmã se zanga! Terão sido vocês os culpados? Terão sido todos culpados por nunca terem confrontado a mana com NADA, porque se zanga ou porque coitadinha, ou porque a doença. E eu? Pai, só para ti, o que de mais fundo existe na minha alma, sabes o que tenho nas mãos, a empresa, as dividas, os clientes, as finanças, tudo. Não tenho tempo para os teus netos e sinto-me mal por isso, muito mal, sabes o que penso?Desde sempre... difícil, desde sempre ciumenta e invejosa, desde sempre complicada. A vida trouxe complicações, como sempre traz, obstáculos para que os ultrapassemos e fiquemos mais fortes, maiores na nossa alma e mais mágicos se quisermos. Com ela não, os obstáculos foram a base de dramas, para chamar a atenção para reivindicar apoio, e o apoio chegou sempre, pela comiseração e pela pena e pela ignorancia e pelo medo de perde-la. Uma gripe era uma pneumonia, uma tosse era tuberculose, uma tristeza era uma depressão, uma depressão era uma depressão profunda, e o drama maior, não posso ter filhos! Todos choramos, fiz o que pude, nenhum médico serve, nenhum médico é bom, nasceu a mais linda das tuas netas, a benjamim... e agora? Oh meu Deus está tudo bem e não sabemos lidar com isto, temos que arranjar um drama... e deixamos de tomar a medicação e o drama surge, inevitavelmente. Eu sei que isto não é consciente, eu sei que isto faz parte de uma área que não controlamos, mas neste momento está tudo descontrolado!A mulher mais maravilhosa deste mundo é a minha mãe, por isso a escolheste não foi?, está a sofrer demais, e não é a primeira vez, e sabes Pai? a mana trata-a tão mal! todos vêem, todos comentam, ninguém diz nada, até a Mariana me pergunta porquê e eu nem sei responder. Mais uma vez apelou ao mais baixo sentimento que existe, a pena, mas desta vez parece que já ninguém acredita. Espero que sim, que seja internada, espero ter a possibilidade de dar a minha opinião, espero que a manipulação e desonestidade entranhada na minha irmã não prevaleça, espero que por fim, se reabilite o corpo para tratar a mente, sonho com um dia, na Ericeira, onde essa cadeira em frente ao mar ainda existe, nós as duas nos sentemos e, talvez seja nesse dia, brindemos a ti e agradeçamos o tudo que nos deste.Pai, imagino-te aqui comigo, sabes bem do que estou a falar. Fica comigo por favor! Amo-te!



Quem me dera que o tempo mudasse esta roda gigantesca, parasse por momentos e permitisse que as suas voltas se cruzassem e eu te encontrasse e não escreveria mais, apenas trocávamos olhares e saberíamos o que sentir..
.

Sem comentários:

Enviar um comentário