sábado, 16 de abril de 2016

Mértola

Pai...

Cheguei agora de Mértola, sinto-me exausta. No caminho parei e apanhei rosmaninhos determinada a deixa-los no cemitério, onde ainda não tinha ido desde Janeiro.

Fui...

Fui pelos motivos errados, porque queria perceber o que se passa comigo, queria ver o que não quero, queria perceber o que sinto...
e, porque tão bem sabes, ainda não me libertei, como tu tão bem fazias, das regras daquelas gentes tão boas e tão crentes que já murmuravam a minha ausência e desligamento da obrigação de embelezar aquele sítio onde eu sei que tu não estás...
Lá estão muitas flores e uma vela acesa e eu separei o ramo de rosmaninhos em três...  Olhando para aquele monte de terra, só forçando-me a pensar que foi ali que te quiseram por é que por breves instantes o meu corpo foi assolado de uma dor insuportável, só forçando... Sem esforço, era apenas isso, um monte de terra. Aceitei que não estou a aceitar, percebi que não acredito, só se me esforçar e não o quero fazer. Muitas vezes durante estes meses, por acasos ou sons ou cheiros ou pela tua imagem que constantemente vejo de relance em todos os sítios que conhecíamos, em palavras soltas ou imagens, cai em mim a realidade e sinto a tal dor insuportável e logo a rejeito e o meu caminho continua. Sinto-me muito cansada Pai, mas tu bem sabes da minha força e persistência e não vou parar, sei que me iluminas, sei que me guias... Naquela terra já chorei as pessoas que mais amo. O meu avô, a minha avó, a avó Artemisia e talvez sejas tu quem impede que chore também por ti, porque não o irias querer, mas sabes Pai,lá no fundo eu sei que preciso fazê-lo, preciso chorar debruçada naquele monte de terra ou noutro qualquer lugar deste mundo, mas algo me bloqueia e eu tenho medo, medo do que oiço, medo que esta dor insuportável me destrua por a não a querer sentir. Não o faço em consciência, apenas me acomodo... Sabe bem não sofrer !

Por enquanto a minha guerra em iluminar a tua memória é o que me dá alento, sabendo-te comigo, e cada vez mais próxima de ti! Perdoa-me se isso interfere com a tua paz...

Há uns dias abri mais um segredo teu, foram horas de deleite a ler aqueles envelopes cheios de cartas e poesias e coisas tão tuas, li o que quis e o que não quis, li tudo! Jurei que nunca um filho meu teria de esperar pela minha morte para saber tudo o que soube de ti, porque foi arrebatador e encantaste-me como o deverias ter feito enquanto estavas ao meu lado, ou talvez tivesse que ter sido eu a senti-lo.

Ficamos ainda mais próximos, e eu fiquei ainda mais longe de te deixar ir!

Pai! Não aceito! Contigo falaria sobre isto e tu irias entender, só tu! Só tu!

Nês



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