sexta-feira, 10 de março de 2017

10 de Março, 2017

Meu Pai querido,

A viagem hoje não foi fácil, imaginei-a contigo tantas vezes. Fi-la sozinha. Uma hora e meia até Évora e o Dr. F. à minha espera. Cafezinho amigável, acho que começo a gostar dele e talvez cheguemos a um ponto em que terei coragem de lhe dizer o que sabes que preciso dizer-lhe. Estava um dia lindo em Évora, o Alentejo está resplandecente de cores e aquele brilho que apenas se vê, onde se consegue ver longe. Tentei perceber exactamente o que iria passar, ele explicou como tão bem faz. Entramos e a sala estava cheia... não reconheci ninguém, ambiente alegre e descontraído. O Dr. F. esteve sempre do meu lado. Apesar de tudo o que sabemos, inevitavelmente a minha situação é frágil e todos o demonstraram tão bem, ou não, talvez fosse eu quem me sentisse diminuída. Devíamos ter falado sobre esta parte da questão... a que te levou para longe de mim não foi? A humilhação, o rótulo, a frieza...Magoa tanto meu Pai, espezinha e humilha, e muito mais faz no nosso intimo, digo-to aqui porque sei que o devia ter ouvido e não estive à altura, talvez porque tanto o escondesses.

Tudo isto é novo para mim, num tribunal o arguido não vale nada, esteja ou não inocente, assim foi, não fui nada hoje. Nem  merecedora de um cumprimento por parte de que te conhecia, mas que infelizmente, eu não. Entendi... Conheci o Sr. Arlindo, apenas isso, conheci...

Numa sala improvisada, 15 advogados vestiram os trajes... e eu ali. Depois apareceu o ministério público, na figura de uma jovem meio atabalhoada e todos se levantaram, eu nem percebi, nem tive tempo. Depois apareceu a Juíza e começou e todos falaram e demasiadas vezes foi dito que morreste e só por isso eu não contive as lágrimas... pensar em ti é diferente de ouvir falar de ti.

Como é tudo demasiado, acho que arrumei em caixinhas bem fechadas, o que não era prioritário, não pela dimensão ou preocupação da minha parte, mas simplesmente pela linha temporal em que me apareciam... este processo estava numa dessas caixas, foi hoje aberto. Mantive a minha força até que tudo acabou e me vi sozinha.

É como num teatro, personagens vestem trajes imponentes, usam vocabulário que já ninguém usa, tudo é "douto" todos são "meritíssimos" e eu era apenas "os demais presentes", falaram de ti sem saberem de quem falavam, preciso libertar-me desta angustia, preciso dividir o que é do meu coração e o que é da minha razão. Já passou um ano Papá, e essa linha ainda é muito ténue.

Dada a complexidade de bla bla bla, a decisão será tomada... não hoje, parece que dentro de 30 dias.

Foste poupado a tudo isto, ainda bem Pai, não o merecias. Eu muito menos eu sei, mas são as perspetivas que mudam e quando mudam, tudo muda. Nessa mudança fica comigo a razão e a decisão de perspetivar o que rodeia, a Mariana, o Diogo, o Pedro, a Mamã. Maldita perspectiva que não abrange todos. Vou reorganizar as caixinhas, vou assumir que não posso cuidar de tudo, vou ser assertiva quando me confrontarem, vou lembrar-me  de mim... sim Pai eu, eu preciso de paz, preciso de colo e de mimo e não quero! Não quero! Quero-me a mim, forte.
Falavas-me nos teus guias, tenho pensado nisso. Aquelas viagens deixam-nos espaço para tudo não é?, para pensar, para relaxar, para divagar e por vezes para quase enlouquecer.

Quase três anos, desde que iniciei este desejo de vingança... é destrutivo Papá, nunca falamos acerca do teu desejo, mas era com certeza mais forte que o meu, tanto que te destruiu, estou certa não estou? Nessa altura, tudo eram hipóteses e conjecturas, agora tudo toma uma forma, uma ideia, a de vingança, tal como a imagino, ainda sem a força emocional, apenas a racional:

"Matá-los com sucesso, enterra-los com um sorriso"

O meu grande desejo o Dr F. deitou já por terra, Enaltecer e dignificar a memória do meu herói, fazer desta fantochada o ponto de partida para que a verdade fosse ouvida, a verdade, a verdadeira verdade!

As saudades doem, os sinais são reais Pai? ou sou eu quem os quer ver?
Dá-me força Papá, aquela que tu tens!
Amo-te!


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